Boa noite! Ilustríssimo Senhor Coordenador do Curso de Graduação de Relações Internacionais, demais autoridades presentes, senhores professores, estimados pais, parentes, amigos e queridos formandos.
Eu me sinto muito honrada em ser homenageada na formatura de uma turma de Relações Internacionais. Eu sou professora de Contabilidade e ser lembrada num momento tão importante para meus alunos de Humanas, me traz uma alegria imensa. Por favor, quando fizerem a edição do vídeo, coloquem um “oclinho” descendo no meu rosto…
Bom, se vocês lembram bem. Fizeram um trabalho de contabilidade no segundo bimestre, enoooorme, e tinham que apresentar em até dez minutos. Hoje, tenho dez minutos para realizar este discurso. O mundo realmente dá voltas…
Vocês foram a minha terceira turma de Relações Internacionais. Nesta época, eu já tinha uma ideia melhor do que vocês faziam. Antes de começar a minha primeira turma na UFRJ, pedi informação aos outros professores e eles, prontamente, me falaram que vocês falavam grego antigo, árabe, mandarim, além dos idiomas mais populares. Hoje, eu já sei que não é bem assim e consigo entender algumas referências, como a bandeira da ONU.
Mas mesmo tendo uma ideia melhor de como era a graduação de Relações Internacionais, permanecia o desafio de ensinar contabilidade para vocês. Vocês começavam o semestre imaginando que contabilidade era Defesa Contra as Artes das Trevas ou Poções para alguns. E que ser aprovado seria o equivalente ao resultado de uma prova do NOMs – Níveis Órdinários de Magia. Sim, senhores pais, esta professora que vos fala é potteriana…
Mas o semestre correu sem incidentes. Com aulas até as dez da noite, pois eu gosto muito de falar e não via porque liberar minha turma mais cedo… Eu me lembro bem do nosso último dia de aula. O funcionário queria fechar o prédio e novamente nós éramos os últimos a ir embora. Aliás, gostaria de falar aos senhores pais que, quando eles falavam que estavam até as dez da noite estudando contabilidade em plena sexta-feira, era verdade. Não me responsabilizo pelos outros dias da semana ou outros períodos, mas no terceiro período, eles estavam comigo. E sempre íamos embora por último. Essa realidade não mudou para os atuais estudantes… Ainda somos a última turma a ir embora as sextas-feiras. A diferença é que vocês se formam e vão embora e eu fico lá, num looping eterno, ensinando contabilidade às sextas-feiras à noite.
Depois de muitos medos, indecisões, provas e alegrias vocês finalmente concluíram o curso de Relações Internacionais. Ao longo deste tempo, aprenderam muito mais do que estava na grade curricular. E ensinaram também. Mas a pergunta que a maioria deve estar se fazendo é: e agora?
Então gostaria de falar um pouco para vocês sobre esse “e agora?”
Eu tinha duas calopsitas. A Pintinha tinha oito anos e o Cinzinha tinha seis anos. Até que um dia, cheguei a casa e a Pintinha estava morta. Depois de oito anos, ela tinha partido e eu não sabia exatamente o porquê. Além da dor da perda, tive que lidar com o Cinzinha gritando diariamente. Ele nunca tinha ficado sozinho. A Pintinha ficou somente em nossa companhia por dois anos, antes que ele chegasse. Mas ele nunca esteve sozinho.
Pois bem, ele gritava todos os dias antes das seis da manhã. E ficava gritando sem parar por quase duas horas. Gritava a tarde. Gritava a noite. Como moro em apartamento, fiquei com medo da reclamação dos meus vizinhos. Reclamações justas, devo admitir. Pois eu mesma, já não conseguia dormir como antes. Nos raros dias em que ele não gritava antes das seis, eu acordava para ver se ele estava vivo. Tinha medo que morresse pelo luto.
Eu nunca tinha passado por isso e não sabia o que fazer e porque ele gritava tanto. Levei-o a uma veterinária e ela disse que não entendia de passarinhos. Pesquisei no Google… As sugestões eram muitas: Comprar outra calopsita para fazer companhia para ele. Mas corria o risco deles brigarem. Doá-lo para uma conhecida que tinha um viveiro em Saquarema ou outra que morava no interior de Minas. Mas tinha a preocupação de que ele não aguentasse a viagem ou não se adaptasse.
No meio de toda essa incerteza e até mesmo desespero, uma coisa eu tinha certeza: quando eu o adotei, ele tinha sido rejeitado por outra família. Alegaram que ele era muito agitado… Eu não queria abandoná-lo… Eu não queria que sofresse outra rejeição. Então a minha certeza era de que eu faria o melhor para ele, e que iria até o fim. Pois faz parte dos meus valores honrar os compromissos assumidos. E mesmo sendo um passarinho, eu tinha um compromisso com ele.
Bom, tentei de tudo dentro de casa. Mas ele continuava gritando. E eu continuava sem saber o que fazer. Até que por fim, depois de 5 longos meses, eu passei a levantar todo dia antes das seis para ver se ele estava vivo, pois ele não estava gritando mais. Depois de 5 meses, ele começou a se acalmar. Não sei se há alguma explicação para isso, se o luto começou a passar. O que sei é que eu não o abandonei no momento em que ele mais precisou.
Hoje, algum veterinário pode falar que o melhor é que ele vá para um viveiro. Ou que ele deve ter companhia em casa. Não importa o que acontecerá. No momento em que ele mais precisou, e eu estava perdida sem saber o que fazer, nós estávamos juntos.
Então… e agora?
Vou contar um segredo para vocês. Segredo que poucas pessoas contam, por isso é segredo. Mesmo adultos, haverá momentos em que vocês não saberão o que fazer. E mesmo que pais, parentes e amigos digam qual é a melhor decisão, no final, a escolha e as consequências desta escolha será de cada um.
Não se preocupem com o primo que já passou em dois concursos públicos e ganha 15 mil. Todos têm o seu próprio tempo. Todos têm problemas. Até o primo que ganha bem….
Eu fico muito revoltada com essas entrevistas que dizem que A e B estão faturando milhões. Fico revoltada por dois motivos:
1º: O sucesso, independente de qual seja o seu conceito de sucesso, vem depois de um trabalho árduo. As palavras são: dedicação, persistência e planejamento. E mesmo assim, pode ser que não dê certo. Ou porque não era para dar ou porque não era o momento.
2º: Essas pessoas são felizes? Só seremos felizes se consumirmos e acumularmos dinheiro? Não sou contra o capitalismo, mas me preocupa as pessoas não perceberem que a renda de muitos tem aumentado e os problemas de saúde também. Então, quando falarem dos primos bem-sucedidos nas festas de família, mantenham o bom humor, não se deixem abalar e perguntem: mas e as séries, estão em dia?
Uma outra questão é que, mesmo não sabendo o que fazer, tenham como base os valores de vocês. Eu tenho esperança de que estamos formando cidadãos éticos, competentes, responsáveis e que lutarão por um mundo melhor. Não é por acaso que somos o melhor curso de Relações Internacionais do Rio de Janeiro. Mesmo que estejamos em meio a uma crise política, econômica e moral é necessário continuarmos fazendo a nossa parte para que esta sociedade seja justa e igualitária.
Não se deixem corromper e mantenham os seus valores e ideais para que quando se olharem no espelho possam se reconhecer. Saber quem vocês são, é mais importante do que ter mil planos para depois da faculdade.
Vocês não terão sempre todas respostas. Nós não temos. Mas isso faz parte da vida. Faz parte da vida se frustrar, ter planos adiados, planos que deram errado. Aliás, permitam-se errar. Não precisam ser felizes e bem-sucedidos o tempo todo. O gosto pode ser amargo, mas o crescimento é muito maior no erro do que no acerto. Busquem ser felizes no que vocês gostam de verdade. Por mais estranho que seja, pois como disse PITTY:
O importante é ser você
Mesmo que seja estranho, seja você
Mesmo que seja bizarro, bizarro, bizarro… (Máscara)
Retomando o raciocínio, eu me lembro do nosso último dia de aula. Vocês aplaudiam e gritavam enlouquecidamente. Não sei se porque os trabalhos apresentados estavam muito bons, ou se porque estavam finalmente terminando contabilidade e se livrando desta matéria.
Mas eu me lembro em especial de que 16 alunos não faltaram em todo o semestre. Isso representava 20% da turma. Poderiam ter até 8 faltas, mas não faltaram. Toda a turma teve um ótimo desempenho. E eu terminei a aula dizendo que investiria nesta turma. Gostaria de terminar meu discurso dizendo que eu investiria em cada um de vocês.
Eu acredito que vocês são capazes de serem donos do próprio destino e autores da própria vida. Sejam felizes, sejam bons para si e para os outros. E quanto a mim… vocês continuarão sendo sempre meus meninos. Obrigada!