Todos os dias eu me sentava em uma lanchonete para o meu primeiro café do dia. Os fregueses eram habituais. Pessoas que todos os dias chegavam e se sentavam ali para tomar café ou que passavam apressados a caminho do trabalho. Eu me lembro do dia em que aconteceu. Me lembro inclusive de como era antes de ter acontecido.
Todos os dias o casal chegava e se sentava à mesma mesa. Ela pediu um pão integral e uma vitamina de aveia enquanto ele pedia um café e ovos frescos com pão. Ela sempre olhando para a rua e ele ao celular, digitando alguma coisa freneticamente logo de manhã. Quando terminava de digitar, ele sempre se voltava para ela. Eram jovens e ele finalmente queria atenção. Ela voltava de seus devaneios e sorria tranquila para ele, pedindo que repetisse o que havia falado.
Porém, notei que havia algo errado. No começo, eu não sabia dizer o que era. Estavam todos ali, em suas rotinas de sempre. Alguns tomando café e outros muito apressados. Mas percebi que o jovem ao falar com a companheira, esta levava mais tempo para voltar dos seus devaneios. Mas sempre sorria e pedia para que ele repetisse o que havia falado.
Até que um dia, comum como qualquer outro. Não era um grande dia, não era um dia de sol maravilhoso ou sombrio com muita chuva. Um dia, percebi que ele terminou que escrever em seu celular e perguntou algo para ela. Ela continuou olhando para fora, sem observar de fato os transeuntes. Ele a chamou outras vezes, tocou em seus braços e ela continuava imóvel olhando para fora. Tudo ao redor continuava em seu ritmo próprio. Ele resolver pedir ajuda, chamaram uma ambulância. Conseguiram que ela ficasse de pé, mas já não via de fato mais nada. Caminhou automaticamente como obedecendo a comandos sem realmente estar ali.
Fiquei dias sem vê-los novamente. Até que, por fim, o vi chegar apressado, comprar um café e quando já estava saindo alguém o interpelou. Perguntou pela esposa e pude ouvir que ela estava em uma clínica, não havia voltado a si. Caminhava, comia e realizava tudo quando solicitado, mas era apenas um corpo executando ordens. Não falava, não olhava fixo para nada nem ninguém e sabia que ouvia, pois executava o comando solicitado. Os médicos não sabiam dizer o que ela tinha.
Ele continuou voltando outros dias para comprar o seu café, até que um dia não mais o vi. Comecei a perceber que outras pessoas também em suas rotinas, começavam a devanear e demoravam cada vez mais para voltarem a si, geralmente com a ajuda de alguém. Algumas pessoas não conseguiam mais voltar a si e isto se tornou uma epidemia onde todos estavam preocupados em não refletir muito, não contemplar mais o que quer que fosse. O perigo era iminente e a cada dia mais pessoas eram acometidas desta paralisia. Algumas estavam em clínicas, outras eram mantidas em casa pelas famílias.
Os jornais alarmavam que era uma epidemia em que as pessoas começavam a pensar demais e se perdiam em si mesma. Não havia cura. Não sabiam o que era e o que estava acontecendo. A velocidade com que o fenômeno se espalhava era alarmante. As ruas estavam tomadas por pessoas acometidas subitamente por esta paralisia. As pessoas tinham medo de pensar, de dormir ou olhar mais demoradamente para o que quer que fosse. Tentavam cuidar de si e de seus entes queridos. O caos foi se formando à medida que cada vez mais pessoas estavam paralisadas e poucas estavam conscientes do que acontecia ao redor.
Eu tentava manter a minha rotina diária indo ao café e…